Seg, 26 de setembro de 2011, 14:44

As tecnologias e o baixo investimento nas ciências humanas
As tecnologias e o baixo investimento nas ciências humanas

Saber Ciência / Lilian Cristina Monteiro França


08/06/2010


O conceito de tecnologia nos remete, quase sempre, ao universo das ciências exatas, mais diretamente àquelas ligadas a computação, engenharia de hardware e de software, engenharia química, áreas ligadas ao desenvolvimento de materiais, produtos e processos. No senso comum, limita-se a associar tecnologia a equipamentos, tais como celular, computador ou tevê de alta definição; quando muito, chega-se até os carros de última geração ou a algum equipamento novo recém lançado.


Poucas vezes a questão humanística, o lado social da tecnologia aparece logo de primeira, às vezes nem aparece. Mas, as tecnologias só tem sentido se pensadas em sua relação com o ser humano, ou seja, no escopo das ciências humanas, da filosofia, sociologia, antropologia, pedagogia, psicologia, do universo das letras e das artes, da história e da geografia e de todos os campos que procuram pensar a relação do homem com seu tempo, seu espaço, sua própria natureza.
As tecnologias desenvolvidas no século passado revolucionaram nosso modo de vida e de entender a vida. No que diz respeito às tecnologias da informação e da comunicação, passamos de uma era em que poucos podiam comprar um livro para uma era em que milhares de livros estão disponíveis na Internet sem custos diretos para quem os “baixar” (como, por exemplo, no portal Domínio Público, http://www.dominiopublico.gov.br, onde são encontrados também vídeos, fotografias e músicas, todos de domínio público, ou seja, sem implicar em pagamento de direitos autorais).
Trocamos as pálidas imagens em preto e branco das tevês pelas gigantes telas em alta definição. Criamos um mundo novo de comunicações virtuais, redes sociais e uma intrigante cultura cibernética que altera nosso jeito de fazer amigos, namorar e casar.
Esses debates são objeto de estudo das ciências humanas, assim como uma infinidade de temas fundamentais para a sociedade contemporânea. Estranhamente, ou não, os grandes prédios, os grandes institutos de pesquisa, as grandes verbas, ainda são aqueles ligados às ciências exatas e biológicas, enquanto que as ciências humanas e as sociais ficam acanhadas em espaços exíguos e fomentadas com parcos recursos.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, uma das mais importantes agências de financiamento de pesquisas no país, investe apenas 10,81% de seu orçamento para apoio a projetos de pesquisa na área de ciências humanas (dados retirados de seu próprio site: http://efomento.cnpq.br/efomento/distribuicaoGeografica/distribuicaoGeografica.do?metodo=apresentar, consultado em 20 de março de 2010) e mais cerca de 6% às ciências sociais e 1,5% às artes, letras e lingüística.
Uma série de outros indicadores poderia ser apresentada para mostrar que os investimentos em pesquisas na área de ciências humanas ainda são muito pequenos, entretanto o interesse maior é o de deixar clara a necessidade de se investir nos estudos acerca dos impactos das tecnologias na sociedade. Tais indicadores incluem o número de bolsas de diferentes níveis para a área, as verbas para pesquisa, os auxílios a pesquisadores, os recursos para construção de prédios e para a sua manutenção.
Seria preciso ampliar o debate acerca das implicações da tecnologia na sociedade, deixando de ficar encerrado naqueles temas divulgados em larga escala e já tão presentes na pauta diária, como superaquecimento e mudanças climáticas, camada de ozônio e derretimento de geleiras. Mas também em outras mudanças tecnológicas que impactam as mais diversas áreas e que geram grandes desdobramentos, como o acesso à informação, a indústria da cultura, o fenômeno da moda, o culto ao corpo e à beleza, a mudança constante nos valores centrais da sociedade, as pesquisas com células-tronco, os laboratórios farmacêuticos e a produção de remédios, as expectativas de vida e os ideais de felicidade.
Sem pensar nesse lado humano, a tecnologia se torna fria e agressiva, se desumaniza, e se coloca a serviço apenas de uma lógica de acumulação. É preciso bem mais do que os 10% dos investimentos alocados atualmente na área de ciências humanas se quisermos mesmo pensar numa sociedade mais justa e inclusiva, que aplique, transfira e disponibilize as tecnologias tanto para o desenvolvimento no seu sentido stricto, quanto no sentido de desenvolvimento e evolução como seres humanos.


Currículo
Professora do Departamento de Artes e Comunicação Social do Mestrado em Letras da UFS e professora colaboradora do mestrado em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve/Portugal


Atualizado em: Seg, 26 de setembro de 2011, 14:45
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